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“O QUE PODERIA TER SIDO”: A PLENITUDE DA VIDA JUDAICA NA REPÚBLICA DE WEIMAR

A presença de judeus na Alemanha data da Idade Média. Ao longo dos séculos, a região alternou períodos de convivência pacífica com perseguições, exclusões e mesmo expulsões. A partir do século XVIII, a Alemanha foi o berço da Haskalá, o iluminismo judaico, que defendia maior integração dos judeus na sociedade. Embora o antissemitismo nunca tenha desaparecido e até tenha ganho força no terço final do século XIX, a percepção de grande parte dos judeus alemães era de que se tratava de um fenômeno ultrapassado e que sua integração era um caminho sem volta.

Esse hibridismo cultural gerava uma tensão criativa e muitos judeus alemães se destacavam nos mais diversos campos, como as artes, a política, a ciência e a economia. Os judeus alemães – pouco menos de meio milhão de pessoas, ou 0,8% da população -, em geral, falavam o alemão e estavam imersos na cultura local. Ao mesmo tempo, não deixavam de estar influenciados pela cultura judaica, sem que a reivindicação de um pertencimento tivesse que anular ou reduzir o outro. 

A República de Weimar, apesar de suas turbulências políticas e crises econômicas, foi um importante momento em termos de pluralidade. Houve um florescimento, sobretudo na capital Berlim, de um universo cultural tolerante à diversidade sexual e de gênero. Embora a legislação que criminalizava a homossexualidade – e que seria radicalizada pelo regime nazista – estivesse em vigor, havia um processo de aumento de tolerância.

Lembrar esse diálogo cultural é fundamental para termos em mente que a uniformidade e lealdade étnico-cultural defendida pelos nazistas não era a única alternativa. O genocídio praticado pelos nazistas não procurou somente eliminar pessoas, mas com elas modos de vida e, consequentemente, modos de imaginar a sociedade. Não permitir que essas vivências caiam no esquecimento não pretende desfazer o passado, mas vislumbrar a diversidade de possibilidades de vida em sociedade.

Cartão de Rosh Hashaná. Schoppinitz, Alemanha (atual Szopienice-Burowiec, Polônia), 1911.

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Este cartão foi escrito pelo jovem Kurt Krakauer, então com nove anos de idade, para sua família, por ocasião do Rosh Hashaná, o ano novo judaico. 

A mensagem gravada em hebraico acima do texto, este escrito em alemão, e a imagem de um anjo de origem católica explicitam o hibridismo cultural no qual se desenvolvia o judaísmo alemão do início do século XX. Esse constante intercâmbio cultural, presente não somente, mas com grande destaque, entre os judeus alemães, incomodava movimentos ultranacionalistas e, mais tarde, os nazistas e seus projetos de pureza e homogeneidade racial e cultural.

Kurt nasceu em Schoppinitz, na Alemanha (atualmente Szopienice, na Polônia), em 1902. Em 1937, decidiu emigrar devido à perseguição aos judeus. Graças a um parente da esposa que já vivia no Brasil, conseguiram uma carta de chamada e se estabeleceram no Rio de Janeiro, onde Kurt viveu o resto da sua vida. Ele faleceu em 1983.

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Livro litúrgico Festgebete der Israeliten. Áustria, 1929.

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Este é um dos volumes de um Machzor, livro litúrgico judaico que contém as orações das principais festividades do calendário judaico – neste caso, do primeiro dia do Rosh Hashaná, o ano novo judaico.

Esta versão, organizada e traduzida por S. G. Stern, começou a ser publicada no fim do século XIX e teve várias reedições, esta datando de 1929. O livro contém a liturgia em hebraico e, ao lado, a tradução para o alemão – pois era este o idioma que a maioria dos judeus austríacos melhor dominava -, sinalizando um distanciamento em relação ao rito ortodoxo.

A cultura judaica da Europa Central, sobretudo nas regiões de língua alemã, se caracterizava por esse diálogo e hibridismo entre diversas referências culturais. Ele produzia um rico e criativo ambiente social, cultural, religioso e político, alvo do ódio do ultranacionalismo étnico-racial que formaria as bases do nazismo.

Este exemplar pertenceu a Julio Leo Tesser (1904-1984), nascido em Viena. Pouco após a Áustria ser anexada pela Alemanha nazista em 1938, ele conseguiu emigrar. Chegou ao Brasil, onde se fixou em Cruz Alta (RS) e, mais tarde, em Porto Alegre.

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Cartão Tischlein, deck dich. Alemanha, anos 1920 ou 1930.

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Este cartão é a propaganda de uma loja que alugava conjuntos de mesa em Breslau, na Alemanha (atual Wroclaw, na Polônia), pertencente à judia alemã Helene Ohnstein.

O título Tischlein, deck dich [Mesinha, se cubra] é uma referência a um conto dos irmãos Grimm. Isso aponta para uma inserção não somente econômica, mas também cultural de grande parte dos judeus alemães na sociedade. Aos olhos dos grupos de extrema-direita ultranacionalistas que se alastravam pela Alemanha desde fins do século XIX e de cujo ambiente surgiria o partido nazista, esse aspecto de inserção social tornava os judeus ainda mais perigosos, por poderem “se passar” por alemães comuns.

No mesmo ano da ascensão do nazismo ao poder, Helene, junto de sua família, decidiu deixar a Alemanha. Primeiro, rumo à Iugoslávia e, depois, para o Brasil. Ela faleceu em São Paulo, em 1990.