OS JUSTOS ENTRE AS NAÇÕES E O BRASIL

OS JUSTOS E A SHÓA

Dos sobreviventes do Holocausto, muitos devem suas vidas à ajuda destes, a priori, observadores. Desde 1963, o Museu Yad Vashem, em Jerusalém, já levantou diversos nomes – entre homens e mulheres, católicos romanos e russos ortodoxos, batistas e luteranos, enfermeiras e babás, colegas e vizinhos, empregados e amigos – que arriscaram suas vidas e as vidas de suas famílias para salvar judeus perseguidos. Tais pessoas ignoraram as leis, opuseram-se à opinião pública e decidiram fazer o que lhes parecia certo. De acordo com a tradição judaica, “quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”.

Até hoje, o Museu Yad Vashem reconhece e homenageia novos “Justos”. Eles são condecorados (mesmo post mortem), recebem um certificado de honra e o privilégio de terem o nome adicionado ao Jardim dos Justos. Dois brasileiros fazem parte deste hall: Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa e Luiz Martins de Souza Dantas.

*Com a colaboração de Piotr Kilanowski (UFPR).

As atitudes em relação às vítimas durante o Holocausto variaram entre a indiferença e a hostilidade. Na categoria dos “observadores”, encontram-se pessoas que acompanhavam como seus antigos vizinhos eram mortos e até os que colaboravam com os perpetradores. Em um mundo em completo colapso moral, uma pequena minoria reuniu coragem extraordinária para defender os valores humanos. Estes foram os “Justos entre as Nações”. Ao contrário da tendência geral, estes salvadores consideravam as vítimas como seres humanos, e suas ações faziam parte de uma obrigação ética num mundo não-determinista. É o que a professora Helena Lewin chamou de “solidariedade em tempos sombrios”.

O conceito de “Justos entre as Nações” (chassidei umot haolam, em hebraico) vem da tradição judaica e remonta ao tempo bíblico. Todos os anos durante a festa de Pessach, os judeus lembram a filha do Faraó que desafiou suas ordens de jogar os meninos hebreus nas águas do Nilo, violou o decreto do pai e salvou Moisés. Ao ver o recém-nascido no cesto, ela o escondeu e o criou como seu próprio filho. De atitudes heroicas com a da filha do Faraó, surgem perguntas: Como um ser humano pode vencer seu instinto de sobrevivência? Quando o natural seria fugir das chamas, como arriscar sua vida e a de seus próximos em nome de valores maiores do que manter a própria vida? O heroísmo não é a regra, e sim sua exceção.

Os Justos representam o repositório do conhecimento sobre o ser humano – tanto do saber amargo sobre o lado iníquo, quanto do saber glorioso sobre a bondade antinatural de que o homem é capaz ao cuidar dos seus irmãos. O relato sobre os Justos é também o relato sobre os valores, sobre a sua fragilidade e sobre a necessidade de preservar estes princípios em uma sociedade que parece cada vez mais abdicar da sensibilidade. Lembremos que as narrativas que trazem o altruísmo sempre vêm acompanhadas de descrições sombrias. O medo, a chantagem, a vileza e a crueldade se entrelaçam aos atos mais nobres. Por isso, devemos honrar os indivíduos que escolheram ir contra as massas em nome daqueles valores que faltaram aos indiferentes ou aos que perseguiram as vítimas.

 

LUIZ MARTINS DE SOUZA DANTAS

(Rio de Janeiro, RJ, 1876 – Paris, França, 1954)

Desde antes da ocupação da França pela Alemanha e a concentração dos refugiados na zona de Vichy, o embaixador Luiz Martins de Souza Dantas já vinha intercedendo em favor dos perseguidos, emitindo vistos “irregulares” de próprio punho. Como diplomata, Dantas conseguiu outorgar centenas de vistos aos refugiados judeus, mesmo com orientação oficial contrária.

Uma vez descoberto, Dantas foi acusado pelo governo brasileiro de ajudar os refugiados por estar casado com uma judia. Em contraste com as tendências antissemitas que predominavam na administração consular brasileira, ele seguiu colaborando com os refugiados.

Não se sabe até quando lhes outorgou vistos, contrariando as instruções do ministro do exterior Oswaldo Aranha. As autoridades brasileiras aceitaram os vistos até 2 de agosto de 1941. Em meados de 1944, Dantas retornou ao Brasil, depois de 14 meses confinado pelos alemães. Renunciando à carreira diplomática, quando Paris foi libertada, Dantas retornou àquela cidade, onde faleceu em 1954. Sua atitude solidária foi reconhecida em 2003, honrado pelo Yad Vashem como “Justo entre as Nações”.

ARACY MOEBIUS DE CARVALHO
E GUIMARÃES ROSA

(Rio Negro, PR, 1908 – São Paulo, SP,2011)

Em 1938, entrou em vigor no Brasil a Circular Secreta 1.127, que restringia a entrada de judeus no país. Porém, entre os anos de 1936 e 1942, seu trabalho no escritório de expedição de passaportes permitiu que Aracy Moebius de Carvalho ajudasse judeus alemães a conseguirem vistos para o Brasil. Com a ajuda do cônsul- adjunto e escritor João Guimarães Rosa, com quem viria a se casar, Aracy contrariou o governo brasileiro e colocou seu trabalho em risco ao omitir o “J” nos passaportes dos judeus que a procuravam. Segundo ela mesma testemunhou, chegou a alojar judeus em sua própria casa nos dias anteriores ao embarque no porto de Hamburgo.

Aracy permaneceu na Alemanha até 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com aquele país e passou a apoiar os Aliados. Aracy e Guimarães Rosa ficaram juntos até a morte deste, em 1967. Em 1982, a brasileira foi agraciada pelo Yad Vashem com o título de “Justa entre as Nações”.