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1ª GUERRA MUNDIAL: RESSENTIMENTOS E IDEALIZAÇÕES

Ao reorganizar sistemas políticos, sociais e econômicos, a 1ª Guerra Mundial, em certo sentido, inaugurou o século XX. 

A derrota no conflito gerou impactos profundos na Alemanha. As punições impostas pelas potências vencedoras provocaram crise econômica, perda de territórios, deslocamento de populações das áreas perdidas e um sentimento de humilhação e traição. Ao fim da guerra, o ressentimento e a sensação de que a nação fora uma vítima injustiçada eram compartilhados por amplos setores da população alemã.

Ao mesmo tempo, a lembrança dos tempos de guerra também deixava marcas profundas na sociedade alemã. A 1ª Guerra Mundial permitiu uma militarização sem precedentes e a legitimação de um nacionalismo agressivo. Apesar dos traumas, os períodos de batalha eram idealizados por muitos alemães, que viam no espírito de união nacional, na camaradagem do front e na submissão do indivíduo a uma causa comum a expressão da verdadeira “essência nacional”: forte, internamente solidária e viril. Com a derrota, essa essência teria entrado em decadência, ameaçada pelo que consideravam como individualismo liberal, luta de classes comunista e penetração de costumes modernos e cosmopolitas, tidos como estrangeiros. Judeus, em especial, seriam associados a essas supostas causas da decadência, por mais contraditórias que fossem entre si.

Esse simultâneo ressentimento e idealização em relação à 1ª Guerra Mundial fez com que muitos ex-combatentes se engajassem em grupos paramilitares dispostos a recuperar esse espírito guerreiro, vingar a derrota e superar as divisões internas por meio da união nacional. Poucos anos mais tarde, eles constituiriam uma das bases sociais do nazismo.

  • Texto alternativo

    Cédulas de marcos. Alemanha, 1920-1923.

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    Cédulas de marcos. Alemanha, 1920-1923.

  • Cédula de 10 marcos. Alemanha, 1920.

  • Cédula de 50 mil marcos. Alemanha, 1922.

  • Cédula de 1000 marcos. Alemanha, 1922.

  • Cédula de 500 mil marcos. Alemanha, 1923.

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Ao fim da 1ª Guerra Mundial, a Alemanha entrou em um ciclo de hiperinflação devido a vários motivos: emissão de dinheiro para financiar a guerra; perda de territórios e destruição da infraestrutura, que reduziram as receitas e a capacidade produtiva; despesas com a reconstrução do país e pagamento de indenizações. O auge ocorreu em outubro de 1923, com uma taxa mensal de 29.500%. Um dos símbolos dessa hiperinflação foi a constante troca das cédulas de dinheiro, que em pouco tempo perdiam seu valor.

Em 1920, a cédula de menor valor era de 10 marcos. Em novembro de 1922, já circulavam as de 50 mil marcos. Uma nota de 1000 marcos, emitida em dezembro, recebeu o valor “1 milhão” por cima. Já a cédula de 500 mil marcos, de julho de 1923, incluía a possibilidade de ser trocada por outra de maior valor alguns meses mais tarde. Ela sequer tem verso, pois era produzida de forma apressada e para circular por pouco tempo.

A partir do fim de 1923, a inflação foi contida e a economia alemã gradualmente iniciou uma recuperação. Porém, o trauma da crise inflacionária e sua ligação com a derrota militar seria explorada pelo partido nazista nos anos seguintes.

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  • Bolsa militar de Hugo Zamory, década de 1910.

  • Bolsa militar de Hugo Zamory, década de 1910.

  • Bolsa militar de Hugo Zamory, década de 1910.

  • Bolsa militar de Hugo Zamory, década de 1910.

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Judeus serviram nas forças armadas de diversos países durante a 1ª Guerra Mundial, com especial destaque para a Alemanha, que contou com cerca de 100 mil combatentes judeus. Muitos inclusive se voluntariaram, motivados pelo nacionalismo ou por expectativa de combater o antissemitismo, demonstrando sua disposição de dar a vida pela pátria. Hugo Zamory, dono dessa bolsa militar provavelmente utilizada durante o conflito, foi um deles.

Ter participado da 1ª Guerra Mundial, entretanto, não impediu que, ainda nos primeiros anos do regime nazista, Hugo fosse preso e tivesse que deixar a Alemanha. Isso porque apesar de todo o contingente judeu que lutou pela pátria, incluindo cerca de 12 mil que tombaram, organizações nacionalistas e de extrema-direita, como o partido nazista, não apenas minimizaram a participação judaica como os responsabilizaram pela derrota. Na Alemanha e na Áustria, espalhou-se o mito da “punhalada nas costas”, em que judeus seriam traidores agindo em prol de interesses estrangeiros.

Em meio a esse cenário e após sua prisão, Hugo deixou a Alemanha. Veio para o Brasil e, em 1936, trouxe a esposa e os filhos. Ele faleceu em São Paulo, em 1963.

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  • Cruz de Honra da 1ª Guerra Mundial de Emil Weinhausen, 1934.

  • Cruz de Honra da 1ª Guerra Mundial de Emil Weinhausen, 1934.

  • Cruz de Honra da 1ª Guerra Mundial de Emil Weinhausen, 1934.

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Essa medalha militar pertenceu ao judeu alemão Emil Weinhausen. A Cruz de Honra da 1ª Guerra Mundial (Ehrenkreuz des Weltkrieges) foi uma medalha comemorativa estabelecida em 1934, pelo então presidente da Alemanha, Paul von Hindenburg, para homenagear soldados do Império Alemão que lutaram na guerra. Cerca de 8 milhões de medalhas foram emitidas.

Muitos judeus esperavam que suas condecorações os isentassem das leis antissemitas nazistas. De fato, até a morte de Von Hindenburg, em 1934, algumas restrições impostas aos judeus não eram aplicáveis aos ex-combatentes. Com o aprofundamento do regime nazista, a participação no conflito deixou de servir de proteção.

Nascido em Aachen, na Alemanha, em 1890, Emil foi, em 1942, deportado com sua esposa Frieda para o gueto de Terezín, na Tchecoslováquia. O casal sobreviveu e, ao retornar para casa, Emil recuperou a medalha. Anos depois, o casal fez contatos com conhecidos no Brasil e nos Estados Unidos, mas permaneceu na Alemanha. Emil faleceu em 1976.