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″RETORNO À VIDA″: INCERTEZAS E OBSTÁCULOS

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o primeiro impulso dos sobreviventes do Holocausto era retornar a seus antigos lares, recuperar pertences, encontrar familiares e retomar um ar de normalidade. Mas muitos deles descobriram que eram os únicos ou um dos poucos integrantes da família vivos. Suas casas podiam ter sido destruídas na guerra ou estar ocupadas por outras pessoas.   

Em julho de 1946, em um pogrom (ataque violento executado por setores da população civil) contra judeus sobreviventes do Holocausto em Kielce, na Polônia, 42 pessoas foram mortas e outras dezenas ficaram feridas. Somado à instabilidade política e econômica do pós-guerra, especialmente no Leste Europeu, uma parcela considerável dos sobreviventes decidiu que era preciso reconstruir suas vidas em outros lugares.   

Enquanto aguardavam a emigração, centenas de milhares de sobreviventes viviam nos mais de 700 campos para pessoas deslocadas (DP camps). Estes eram locais criados pelas forças Aliadas na Alemanha, Áustria e Itália para abrigar pessoas que, ao fim da guerra, não tinham para onde ir, não podiam ou não pretendiam retornar às suas residências de origem. Grande parte dessas pessoas era de judeus sobreviventes do Holocausto.  

Nesses campos, as condições de vida eram precárias e dependiam do auxílio da administração aliada e de organizações humanitárias. Apesar disso, havia nos DP camps intensa atividade cultural e social, muitos casamentos e nascimentos, além de servirem como ponto para familiares separados durante o Holocausto se reencontrarem. A permanência nesses campos era provisória, mas dificuldades burocráticas, econômicas e de obtenção de vistos fizeram com que houvesse sobreviventes da Shoá em campos de pessoas deslocadas até meados dos anos 1950. 

Edição extraordinária do Diário da Noite, São Paulo, 07 de maio de 1945.

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No dia 7 de maio de 1945, os generais Alfred Jodl, da Alemanha, e Dwight Eisenhower, dos Estados Unidos, formalizaram a rendição da Alemanha nazista em Reims, França. O dia 8 de maio, quando a rendição entrou em vigor, é celebrado até hoje, na Europa Ocidental, como o Dia da Vitória. 

Rapidamente, a notícia chegou aos jornalistas, que a transmitiram a todos os cantos do mundo. No Brasil – que, afinal, também participava da guerra – foi publicada uma edição especial do Diário da Noite. Apesar de o texto apontar para as dificuldades a serem enfrentadas no pós-guerra, como a necessidade de alimentar milhões de soldados alemães prisioneiros, o tom geral da publicação era de otimismo, exaltando as figuras de Winston Churchill, Franklin Roosevelt e Josef Stalin e exibindo o título: PAZ! Muito precisaria ser reconstruído e as perdas eram irreparáveis, mas um futuro promissor parecia se abrir.

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Prato de porcelana de Maria Yefremov. Novi Sad, Iugoslávia (atual Sérvia), s.d.

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Em 1945, Maria Yefremov foi liberada no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, após sobreviver a vários campos nazistas, inclusive Auschwitz – aonde chegou grávida e teve sua filha morta um dia após o nascimento. Após recuperar sua saúde, retornou a Iugoslávia. Ao chegar, se espantou com a normalidade com que a população levava a vida. 

Com exceção de uma prima, toda a família de Maria – marido, mãe, irmãos – havia sido morta. Além disso, ela se deparou com sua antiga residência ocupada por outras pessoas, a quem o novo governo iugoslavo havia cedido a propriedade. Um dos únicos pertences que ela conseguiu recuperar de sua casa foi esse prato de porcelana. 

A batalha judicial até recuperar o imóvel se arrastou. Nesse meio tempo, Maria se mudou para Israel e, mais tarde para o Brasil. Faleceu no Rio de Janeiro, em 2017.

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Caderneta de Anotações de Sara Reiss, Landsberg am Lech, Alemanha, s.d.

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Sara Reiss sobreviveu ao gueto de Lodz e a campos de concentração.  Junto com seu marido, Michal, passou dois anos no campo de pessoas deslocadas (DP camps) de Landsberg am Lech, na Alemanha. Lá, encontraram sobreviventes do Holocausto originários de todas as partes da Europa e aguardando a possibilidade de emigrar para as mais diversas partes do mundo. 

As amizades formadas nesses campos permitiam obter orientações, encontrar conhecidos, trabalho e até um destino para emigrar. Sobretudo, preenchiam um espaço deixado vazio por vínculos sociais destruídos no Holocausto. Muitas duraram a vida toda. 

Sara registrava nessa caderneta os novos endereços de amigos que foram viver em países como Argentina, Estados Unidos e Brasil, para onde Sara também imigraria em 1948. Mais tarde, usou a caderneta para registrar, já em português, receitas culinárias. Sara faleceu em Belo Horizonte, em 1994.

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Sara Gelhorn e sua filha, Tauba. Munique, Alemanha, 1946.

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Sara Gelhorn, cujo sobrenome de solteira era Mondrejewska, nasceu em Lodz, na Polônia, e sobreviveu ao complexo de concentração e extermínio de Auschwitz. Ao final da Segunda Guerra Mundial, soube que um irmão sobrevivera e estava em Munique, na Alemanha. Juntou-se a ele. 

Como tantos sobreviventes, desejosos de reconstruir e construir novos vínculos familiares, Sara em pouco tempo começou a construir sua própria família. Na Alemanha, conheceu Benjamin Gelhorn, que, assim como ela, era um judeu nascido em Lodz, e logo eles se casaram. No final de 1946, nasceu Tauba, a primeira filha do casal. Nessa época, foi tirada essa foto. Em 1953, a família, então já com mais uma criança, veio para o Brasil, onde nasceram outros dois filhos do casal. Sara reconstruiu sua vida em Curitiba e faleceu em 2016.

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Casamento de David e Malka Lorber Rolnik. DP Camp de Tempelhof, Alemanha, 1946.

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Malka e David Lorber Rolnik, antigos conhecidos de Chelm, na Polônia, sobreviveram ao Holocausto e se reencontraram após a Segunda Guerra Mundial. A precariedade da vida na Polônia do pós-guerra os levou ao campo de pessoas deslocadas (DP camp) de Tempelhof, nos arredores de Berlim, Alemanha.  

Nestes espaços de intensa sociabilidade, os casamentos entre pessoas que haviam perdido muitos de seus vínculos anteriores eram frequentes. Malka e David se casaram em 4 de dezembro de 1946. Não havia recursos para uma grande festa. Malka, a moça do meio, não tinha um traje de noiva e se casou com um vestido estampado emprestado. David é o homem do meio na foto.  

O casal ainda morou em outros campos de pessoas deslocadas até se mudar para a Bolívia e, mais tarde, para o Brasil, fixando-se em Ponta Grossa, no Paraná. Malka faleceu em 1997 e David em 2008.

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Kiwa Kozuchowicz e amigos. Landsberg am Lech, Alemanha, c. 1946-1948.

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Nos campos de pessoas deslocadas (DP camps), sobreviventes do Holocausto tentavam lidar com os traumas, as perdas e as incertezas. Mas essa é somente uma parte da história. Os DP camps também foram palco de recomeços e amizades. 

Após perder praticamente toda sua família e sobreviver a campos de concentração, Kiwa Kozuchowicz (no lado direito da foto) foi para o campo de deslocados de Landsberg am Lech, na Alemanha. Abriu um pequeno negócio que lhe permitiu comprar uma máquina fotográfica antiga. Com ela, tirou fotos com uma prima (ao lado de Kiwa) e o casal Sara e Michal Reiss, de quem se tornou muito amigo.  

A foto, tirada nos arredores do DP camp, mostra a resiliência desses sobreviventes, capazes de, apesar de tudo, construir pequenas alegrias e momentos de lazer. Kiwa seguiu o casal de amigos na imigração ao Brasil, trazendo as fotografias e a máquina. Faleceu em São Paulo, em 2021.