
INSTITUIÇÕES E REDES DE AUXÍLIO
A reconstrução das vidas após o fim da Segunda Guerra Mundial foi um processo coletivo. Sobreviventes do Holocausto se ampararam uns nos outros e em instituições e redes de auxílio judaicas e não-judaicas.
A UNRRA (United Nations Relief and Rehabilitation Administration), criada em 1943 e posteriormente incorporada à ONU, foi uma das principais organizações envolvidas no auxílio. Sua missão era prover assistência econômica e repatriar refugiados que se encontravam nos territórios sob controle dos Aliados. Administrava campos de deslocados (DP camps), oferecia atendimento médico e treinamento profissional. Em 1946, suas atribuições passaram para a International Refugee Organization (IRO), embora esta pudesse atuar somente nas áreas sob ocupação dos Aliados ocidentais.
Com o repatriamento da maioria dos refugiados, judeus passaram a representar a maior parte dos assistidos, pois muitos não tinham para onde voltar ou corriam riscos se o fizessem. Enquanto UNRRA e IRO lidavam com a burocracia do pós-guerra, outras organizações como a Cruz Vermelha Internacional e entidades humanitárias e religiosas prestavam apoio direto.
Muito sobreviventes do Holocausto contaram com a ajuda de organizações criadas nas comunidades judaicas em outros países, sobretudo nos EUA. Era o caso do American Jewish Joint Distribution Committee (Joint). Atuante já antes da guerra, enviou mais de 200 toneladas de alimentos, remédios e roupas para a Europa, além de investir na reconstrução cultural dos sobreviventes, financiando escolas, sinagogas e atividades culturais. Já a Hebrew Immigrant Aid Society (HIAS), também pré-existente e ativa até hoje, auxiliou na emigração, oferecendo suporte financeiro, burocrático e legal.
Essas e outras organizações foram fundamentais para reunir famílias, garantir a sobrevivência nos primeiros anos do pós-guerra, restaurar redes de sociabilidade e ajudar os sobreviventes a encontrarem um novo lar.
Antes da chegada de organizações humanitárias, as forças armadas Aliadas se encarregaram de registrar as pessoas que se encontravam deslocadas ao final da guerra.
Entre elas, George (Gyorgy) Legmann, um raríssimo caso de criança judia nascida em um campo de concentração nazista. Sua mãe havia sido presa grávida na Romênia. Deportada, deu à luz em dezembro de 1944 no campo de concentração de Kaufering. Já em liberdade, George recebeu esse cartão de identificação. Sua principal utilidade, embora não fosse um passaporte, era auxiliar na obtenção de autorização para regressar ao local de origem da mãe. Esse retorno era visto pelos Aliados como a “solução” mais simples para os milhares de refugiados, embora acabasse em frustração para grande parte dos sobreviventes do Holocausto.
George e seus pais de fato retornaram à Romênia, mas nos anos 1960 imigraram para o Brasil. George vive em São Paulo.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, Max Epelzwajg, assim como tantos outros sobreviventes do Holocausto, não tinha para onde ir ou retornar. Se enquadrava no que era chamado de “pessoa deslocada”. A fim de obter documentação e acesso à direitos básicos, trabalho e comida, Max procurou a International Refugee Organization (IRO), que o registrou e emitiu esse Identity Card (Cartão de Identificação).
No documento, consta sua nacionalidade como “Pol. Jew” (judeu polonês), além de informações como a data de nascimento, altura, cor de cabelo e impressões digitais. Munido desse documento Max poderia identificar-se perante a burocracia administrativa e iniciar o processo de emigração para um novo lar. Junto com sua esposa Hinda, foi para a Bolívia e, mais tarde, para o Brasil. Faleceu em Curitiba, em 1993.
Uma das dificuldades dos sobreviventes no pós-guerra era acessar a burocracia governamental. Muitos tiveram sua nacionalidade retirada e, ao não se reestabelecerem em seus países de origem, não puderam recuperá-la. Era a situação de David Lorber Rolnik, que ficara sem a cidadania de seu país-natal, a Polônia.
Para que ele pudesse emigrar, era necessário um passaporte, cuja emissão é responsabilidade do país do qual a pessoa é cidadã. Assim, recorreu à Alta Comissão Aliada (Allied High Comission), estabelecida por EUA, Reino Unido e França em 1949 para administrar a Alemanha Ocidental. Uma de suas prerrogativas era emitir esse “documento temporário de viagem no lugar de passaporte”, ou seja, que cumpre as funções de um passaporte para pessoas apátridas.
Nele, consta o visto que obteve para a Bolívia. Mais tarde, David se mudou para o Brasil, fixando-se em Ponta Grossa. Faleceu em 2008.
Wanda Bandula, nascida com o nome de Felicia Rokman, sobreviveu ao Holocausto contrabandeando comida para o gueto de Varsóvia e passou também por campos de concentração. Ao final da guerra, retornou à capital da Polônia em busca de familiares e amigos sobreviventes. Não era, porém, uma missão fácil. Grande parte da Europa, especialmente no Leste, estava destruída e as redes de comunicação eram precárias.
Wanda se voluntariou na Cruz Vermelha, uma das instituições internacionais que auxiliava nas buscas por pessoas desaparecidas. Na foto, ela, de branco à esquerda da coroa de flores, participa de uma cerimônia com outros voluntários. Ao fundo, é possível observar como a cidade de Varsóvia havia sido reduzida à escombros.
Em 1946, já casada, Wanda deixou a Polônia rumo a Itália e de lá veio para o Brasil. Faleceu em São Paulo, em 2003.
Após o fim da Segunda Guerra Mundial, sobreviventes do Holocausto se organizavam para reconstruir redes de sociabilidade, mesmo quando distantes de seus antigos lares.
Bina Goldgram (que adotou o sobrenome Klug ao se casar) era de Varsóvia, Polônia. Nos meses finais da guerra, após sobreviver ao complexo de concentração e extermínio de Auschwitz, Bina foi levada para a Suécia em uma operação humanitária conhecida como “ônibus brancos”, negociada pelo vice-presidente da Cruz Vermelha Sueca Folke Bernadotte, que salvou cerca de 15 mil pessoas.
Em Boras, na Suécia, Bina se esforçou para retomar os rituais e costumes judaicos. É nesse contexto que se insere essa foto de Bina (do lado esquerdo, com uma criança no colo) em uma festa de Purim da escola judaica local. Ela permaneceu na Suécia até 1958, quando imigrou com o marido e os filhos para o Brasil. Faleceu em São Paulo, em 2005.
Nos anos imediatamente após o Holocausto, muitos sobreviventes estavam desamparados. A administração Aliada e as instituições humanitárias forneciam parte do necessário, mas em boa medida as centenas de milhares de judeus que viviam nos campos de pessoas deslocadas (DP camps) dependiam uns dos outros.
Hinda Laks Epelzwajg, nascida em um pequeno vilarejo na Polônia e sobrevivente do Holocausto, se tornou enfermeira em um DP camp na Alemanha. Uma das principais demandas de seu trabalho eram os muitos nascimentos de crianças que ocorriam nesses campos, como pode ser observado na foto. Hinda se desdobrava consciente de que, além de um ofício, colaborava para começos e recomeços de trajetórias de vida.
Já casada com Max e com um filho, Hinda imigrou para a Bolívia e mais tarde para o Brasil. Faleceu em Curitiba, em 1985.
